A vencedora do Prêmio Nobel de Química em 2018 Frances Arnold esteve esta semana em Brasília para alguns compromissos no país – um deles uma palestra para cientistas brasileiros na sede da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia cujo tema foi “Inovação Sustentável na Agricultura”.
Em 2018 ela foi premiada juntamente com George P. Smith e Gregory Winter por seus estudos na técnica da “evolução dirigida”: o desenvolvimento, a partir de enzimas, de novas proteínas aplicáveis a diversas áreas e usos – da indústria farmacêutica aos combustíveis menos poluentes. A sua palestra, de contados 30 minutos de duração, envolveu a plateia no assunto e convidou os especialistas a quebrarem paradigmas para garantir o avanço científico.
Frances aponta que, na sua visão, o caminho é direcionar os estudos em Química para a observação da natureza, para “uma química sustentável feita biologicamente”. Ela afirma que as possibilidades abertas pela biotecnologia, a capacidade de se decodificar com certa facilidade o DNA de seres vivos, não pode ser desperdiçada – ainda que demande um grande esforço e foco dos pesquisadores.
“Foi uma revolução que pudéssemos modificar sequências específicas de DNA, embora jamais consigamos ‘compor’o código da vida. Para mim, é como uma grande sinfonia: é lindo, é intrigante, mas ninguém é capaz de sentar e compô-la novamente, de uma maneira melhor do que foi feita antes”, assinala.
Teoria da Evolução para nortear pesquisas
Ao explicar sinteticamente seus estudos, Frances destaca que o mais importante é se ater à Teoria da Evolução das Espécies e de lá tirar conclusões sobre como dirigir esse processo, em benefício da natureza e da espécie humana. “Nada novo”, avalia a vencedora do Nobel, que complementa: “os seres humanos alteram o mundo biológico e produzem novos ‘entes’ manipulando a evolução e empregando a seleção artificial há milhares de anos”.
Em termos bastante simples, a evolução dirigida funciona a partir da identificação do DNA, contendo uma sequência para produção de uma determinada enzima. Essa sequência é copiada várias vezes, só que com erros provocados em laboratório para obter um resultado diferente. Uma vez que esse “resultado diferente” obtido carrega consigo alguma característica de interesse do pesquisador, ele é preservado e segue sendo copiado, traçando o caminho da evolução dirigida.
Uma das aplicações práticas da sua pesquisa, relembra Frances, se deu em 2005: diante de uma crise mundial do petróleo, procurou-se identificar uma alternativa para produzir querosene de aviação a partir de biocombustíveis. A partir das pesquisas de Frances com a evolução dirigida de enzimas, foi possível chegar a um bom resultado empregando o milho.
Em outro exemplo, Frances chamou a atenção para o combate a insetos que atacam as lavouras de milho com o uso da evolução dirigida: é o caso da fallarmyworm, conhecida no Brasil como “lagarta-militar” ou “lagarta-do-cartucho” (Spodopterafrugiperda). Essa praga agrícola também tira o sono de muitos produtores brasileiros.
A solução obtida pela pesquisadora americana foi alterar os feromônios da fêmea através da técnica, evitando que o macho a encontre e, assim, inibindo a reprodução.
“Adoro ver o rosto de alívio e felicidade dos fazendeiros que plantam o milho e sofrem com a lagarta-do-cartucho. Essa alteração nos feromônios é simples e de baixo custo, além de sustentável, evitando o emprego de toneladas de pesticidas”, afirma a engenheira química.
Série de TV e bastidores do Nobel
Na palestra, Frances aproveitou para satisfazer a curiosidade do público, contando histórias divertidas dos bastidores do Prêmio Nobel, em Estocolmo, na Suécia. Falou ainda sobre a aparição que fez na série de TV americana “The Big BangTheory”, quando interpretou a si mesma contracenando com os atores que vivem uma colônia de nerdsformada por pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia – mesma instituição em que Frances, a da vida real, estudou.
“É lá onde eles fazem lobby com os vencedores do Prêmio Nobel”, afirma, fazendo piada com a grande repercussão do programa de TV, visto no mundo inteiro.
Ao final, antes de responder a perguntas da plateia por mais meia hora, Frances encerrou sua apresentação afirmando que é preciso ir além da busca pela famigerada “internet das coisas”, construindo uma “internet das coisas vivas”, voltada para a relação com a natureza e a sustentabilidade.
FONTE: CFQ Conteúdo publicado em 22/01/2020